terça-feira, 11 de março de 2014

Pais recorrem a novas maneiras de castigar seus filhos

Filhos e filhas ligadões em gadgets e no mundo online estão sofrendo punições bem de acordo com seus costumes high-tech. Se, antigamente, os castigos mais cruéis eram cortar a mesada, proibir sair de casa, de telefonar, cortar a TV ou mesmo confiscar as chaves do carro da família, as penalidades mais em voga hoje em dia têm tudo ver com a vida tecnológica da filharada.

Filhos encrenqueiros, desobedientes ou com boletim escolar problemático estão tendo a internet cortada, celular recolhido, videogame trancafiado e até página de Orkut e Facebook desativada.

Afinal, a tecnologia alterou muitos hábitos da juventude e, de certo modo, também mudou o significado do que seria tornar-se adulto, amadurecer ou formar laços sociais. Atualmente, as coisas que a criança e o adolescente mais prezam são bem diferentes do que lhes enchia os olhos uma década atrás.

Para a juventude plugada, a prioridade não mais tanto estar fisicamente com seus amigos. É estar grande parte do tempo com eles virtualmente, online, seja pela internet, seja pelo celular, falando ou trocando mensagens de texto.

Mas não importa as ferramentas usadas no castigo, o significado de cortar os contatos tecnológicos dos filhos como punição tem o mesmo efeito de sempre: privar o infrator de suas conexões sociais por algum tempo.

Pesquisa nos EUA, realizada pela Pew Internet em conjunto com o projeto American Life no início de 2010, indica que 62% dos pais disseram já ter confiscado o celular de seus filhos como punição.

Gilberto e Luciana, e seus filhos Rodrigo e Gustavo
Gilberto Amaral tem dois filhos, Rodrigo, de sete anos, e Gustavo, de quatro, ambos estudando em horário integral. Ao menor sinal de confusão, ele e sua esposa Luciana decretam: nada de Nintendo DS, Wii, ou computador.

— Quem sofre mais é o mais velho, pois em nosso prédio há uma lan house com micros e videogames e deixo ele ir muito pouco lá. Prefiro sempre que ele brinque com as outras crianças ― diz Gilberto, que, apesar de ser profissional de TI, deixa os meninos terem o mínimo de contato com o computador. ― Só deixo nos fins de semana, quando deixo...

Por ser do meio técnico, Gilberto sabe o quanto absorvem tempo essas diversões tecnológicas. A vida online de seus filhos se resume a cerca de 5% de seu tempo, período em que se conectam para jogar videogame Wii pela internet ou pelo site “Club Penguim”.

— Nesse site, além dos jogos, existe um quê de rede social ― observa. ― Mas eu diria que em 25% dos encontros físicos com outras crianças, meus filhos se dedicam a jogar videogames juntos seja na casa de algum deles ou no lan-house do prédio. Há também encontros fortuitos, por exemplo, em sala de espera de consultório médico ou em restaurantes. Nessas ocasiões, os meninos se conectam com as crianças próximas e jogam Nintendo DS online.

Muitas crianças, depois de um castigo digital, demoram um pouco para se recuperarem e “desarmarem a tromba”. Gilberto, nesse ponto, tem sorte.

— A memória deles é muito curta, para essa coisa de rancor ― esclarece. ― Assim, eles ficam felizes imediatamente ao recuperar os recursos que lhes foram tomados.

Quanto a punir seus filhos proibindo o celular, simplesmente não rola.

— Apesar de conhecermos crianças com menos idade que têm celular e nosso mais velho sempre nos pedir um, decidimos que ainda não é hora. Ou seja, nem temos como punir os meninos cortando celular ― conta Gilberto.

Os motivos que levam Gilberto e Luciana a aplicar castigos digitais normalmente têm a ver com desempenho escolar ― trabalhos de casa em dia, notas boas etc.

— Há também as mentiras, coisas do tipo dizer que escovou os dentes na escola e depois constatarmos que a escova não foi usada a semana inteira ― conta. ― O comportamento deles durante o uso dos gadgets também dá problema, pois eles sofrem, gritam e choram quando perdem. Aí, nesses casos, quando passa da medida eles ganham um tempo sem o aparelho, para acalmar.

Muitas vezes, proibir contato com mídias digitais e online vale como um período de “desintoxicação digital”, preservando um pouco as crianças e adolescentes da torrente de informações a que são submetidas nesses tempos tecnológicos atuais. Essa overdose é algo que impressiona dos pais, pois muitas vezes percebemo que os pequenos conhecem coisas que os pais ignoram. A troca de informações com colegas da escola e do condomínio faz com que as crianças fiquem bastante questionadoras e demandadoras.

— Meus filhos me bombardeiam o tempo todo. Posso ter celular? Pode me comprar o jogo novo “tal” que acabou de ser lançado? Papai, eu tenho email? Papai, porque não tenho Orkut? Pai, pode colocar no Google Earth que nós vamos lá fora dar tchau pra você nos ver no computador? Papai você me ensina a gravar os programas da Sky HD, porque o moço no comercial diz que a filha de 4 anos deles grava? Me ensina a enviar SMS? Seu celular tem joguinho? ― desabafa Gilberto. ― Outra coisa que notamos é a multitarefa e a ansiedade. Começam a fazer várias coisas ao mesmo tempo e já ficam pensando na próxima. Interessante também é que a capacidade para aprender coisas novas, como letras de música, línguas etc. ― é absurda. São umas esponjinhas sugando tudo que podem.
Os castigos hi-tech têm lá suas vantagens, pois, os filhos, depois que são liberados, muitas vezes manifestam certo alívio, desaceleração e calma causados pelo tempo que ficaram offline. Isso porque, durante a punição, eles são obrigados a se focar em atividades “analógicas”, que são em geral mais lentas.

Além disso, as punições tecnológicas possuem também um rico caráter educativo, especialmente quando aplicadas a crianças mais novas.

— O que falamos muito para os nossos filhos é que eles terão o resto de suas vidas na frente de um computador, pois ele passou a ser ferramenta usual de trabalho. Qualquer coisa em excesso faz mal, e o equilíbrio é fundamental. As coisas na vida têm sua hora certa — diz Gilberto, que reconhece ser um pai meio fora do comum, por não estimula as crianças com joguinhos educacionais de computador, nem opta por deixá-las horas diante da máquina.
Para ele e Luciana, hora de escola, do estudo ou do trabalho de casa são horas sagradas, assim como o tempo de brincar. Eles não tentam reproduzir o ambiente da escola em casa nem tampouco complementar o ensino com mais informações do que eles são capazes de absorver.

— Apesar de ser um gerente de TI, apaixonado por tecnologia e gadgets, acredito piamente que as relações interpessoais e “naturais” precisam acontecer como pano de fundo na formação das crianças — esclarece Gilberto.

Como pais de dois, ambos trabalhando fora, mas que sempre fazendo questão de participar efetivamente da vida dos filhos, o casal reconhece que cuidar das crianças dá muito trabalho, mas lhes parece correto cortar caminho através da omissão.

— A TV ou videogame não podem substituir os pais na formação das crianças. Os pais precisam ditar as regras e limites, estabelecendo horários, quantidades, e o que pode e o que não pode — explica. — Eventualmente, relegamos ao computador, televisão ou videogame o papel de babás temporárias, quando precisamos fazer algo e não podemos dar atenção às crianças, ou então quando as baterias começam a pifar.

Denise e sua filha Beatriz
Denise de Almeida Carvalho é mãe de Beatriz, de 12 anos, e garante que privar a filha do acesso ao notebook faz maravilhas pois, sem internet e joguinhos, a negociação flui muito melhor.

Trabalhando com TI numa grande estatal, Denise é do ramo e conhece bem os limites que impõe à filha, além de saber muito bem onde dói a abstinência forçada. E, justamente por saber dosar a intensidade tecnológica da vida de Beatriz, a adolescente passa em geral apenas 20% de seu tempo grudada no computador.

— Depois que aplico um castigo tech, demora um pouco para ela se recuperar. Faz uma certa tromba — conta Denise. — Até que ela tenta disfarçar, mas a tromba só acaba mesmo quando termina o castigo.
Quanto ao celular, Denise considera o aparelho como um item de segurança, uma ferramenta que lhe dá sossego e, de certa forma, lhe permite estabelecer certo controle sobre o paradeiro da filha. Por esses motivos, celular, pelo menos até agora, não faz parte da lista de castigos.

— Para mim, as infrações mais comuns que motivam a aplicação desses castigos digitais são queda no rendimento escolar e bagunça no quarto — esclarece.

Denise vê novos hábitos em sua filha e nas colegas dela na forma com que digerem o excesso de informações online e via TV. Ela acredita que os mais novos estão mais preparados para lidar com esta multiplicidade de conteúdo, incluindo uma habilidade maior de fazer várias atividades ao mesmo tempo.

— Porém, tomo algum cuidado quando aplico essas penalidades informáticas, pois vejo nas crianças em geral, um pouco de dificuldade na classificação de relevância dos assuntos, na apuração da sua veracidade de fato, no caráter descartável da informação, e, consequentemente, na sua não transformação em conhecimento — pondera Denise.

Gustavo e seu filho Matheus
Gustavo Guimarães é pai de Matheus, de 10 anos, um menino que ainda não tem o hábito de substituir o contato real pelo virtual, como fazem as crianças um pouco mais velhas. Porém, por ter um blog, o menino curte os novos amigos que surgem com frequência pela caixa de e-mail, já que Gustavo desabilitou os comentários no blog..

Para Gustavo, a gravidade da infração define o tipo de pena aplicada.

— Uma resposta atravessada pode gerar uma desconexão da internet, mas mantendo os privilégios de acesso ao computador. Neste caso, ele fica limitado aos joguinhos locais que vêm com o Windows, e que, convenhamos, são bem sem graça — conta Gustavo. — Já uma malcriação mais séria expande a pena ao hardware propriamente dito. Além do computador, veto também os videogames. Agora, uma recusa em reconhecer o erro e se desculpar com os envolvidos termina por abranger os demais equipamentos do quarto, que são a TV, NET e DVD. Em casos assim, resta a ele se isolar no quarto, ou assistir telejornais na sala, o que pra ele equivale à tortura em que o protagonista é submetido no filme Laranja Mecânica.

Celular não é problema, pois Matheus ainda não tem um. Mas bem que gostaria de ter e anda pedindo.

— Eu ainda não dei por causa do argumento que ele usa para me pedir, alegando que quer porque todos seus amigos já têm celular — decreta Gustavo. — Eu explico que ele não deve solicitar algo porque outros o possuem, e pedi que, quando tivesse um argumento mais sólido, que voltássemos a conversar. Se ele ainda não o fez, é porque não sente falta de verdade no aparelho.

A ideia de Gustavo, quando der a Matheus um celular, será optar por um pequeno smartphone, pois deixaria ligado o Google Latitude, que lhe permitiria saber onde o filho estará, em tempo real.
Por ter uma vida online bastante ativa, Matheus sofre bastante com castigos que lhe privem desse meio de se comunicar.

— O isolamento offline causa nele uma aflição grande, porque ele pensa no prejuízo a que seus jogos online estão sendo submetidos, como é o caso do joguinho da fazenda, em que as colheitas que não estão sendo feitas, os produtos que estão sendo roubados por outros participantes, e principalmente no provável decréscimo de seu usuário no ranking de sucesso dos jogos — conta Gustavo. — Este ranking tem hoje um peso impressionante no fator popularidade entre seus iguais. O que é um gol marcado por um colega de classe habilidoso com a bola, visto apenas por quem estava presente no momento do lance no futebol da escola, em comparação ao primeiro lugar de uma lista visível por toda sua rede de amigos do colégio, que jogam o mesmo jogo? Sim, o glamour da clássica exibição pessoal se perdeu, mas o que sobrou tem um alcance hoje em dia consideravelmente maior.

No âmbito das redes sociais, Matheus frequenta só o Orkut. E o pai nunca precisou forçar o menino a aceitá-lo como “amigo” no site, como expediente para manter o controle das andanças do filho.

— Nunca precisei disso, porque quem controla a conta dele sou eu. Quem aceita e recusa as novas amizades dele sou em, com ele ao lado, claro — conta Gustavo. — A intenção é sempre fazê-lo entender as razões, nunca censurar por censurar. Hoje em dia ele mesmo fala “esse aqui eu nunca vi antes, pode recusar”.
A transparência de Gustavo com Matheus é muito positiva. Mas muitos pais, para castigar o filho isolando-o temporariamente em um site de rede social é simplesmente mudam a senha. Mas mesmo isso requer cuidado pois, se o filho for esperto, ele pode instalar um keylogger (programa que registra as teclas digitadas no teclado) e capturar a senha nova escolhida pelos pais ou responsáveis.
Mas a vida de Gustavo e Matheus é às vezes pautada pela tecnologia. Às vezes até as relações entre eles depende em parte de ferramentas online.
— Lembro de quando ele me pediu desculpas pelo Orkut pra não ter que me encarar, e quando de eu percebi que estamos ficando dois nerds quando um reclamou do outropelo MSN.

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