Uma das tarefas mais difíceis dos pais é lidar com os sentimentos
negativos das crianças. A vontade que dá quando eles começam a
extravasar o ódio é mandá-los parar de se alterar, ou quando eles
partilham seus sentimentos pessoais conosco dizendo, por exemplo, que
odeiam a escola ou o irmão, em geral dizemos que é feio falar assim, que
ele deve ser amigo do irmão ou que a escola lhe dará uma boa instrução.
Então, nós os julgamos, envergonhamos ou damos alguma explicação
lógica para neutralizar o ódio, ou seja, tratamos os sentimentos
pessoais dos nossos filhos, exatamente como nos desagrada que tratem os
nossos, uma vez, que ao compartilharmos nossos sentimentos mais íntimos
não buscamos julgamentos, lógica, razão ou conselhos, não queremos que
nossos sentimentos sejam postos de lado, negados ou não sejam levados a
sério, mas, paradoxalmente, exatamente o que não gostamos que façam
conosco é o que fazemos com nossos filhos.
Ao agirmos desta maneira com nossos filhos, colocamos um tampão nos
sentimentos da criança, e à longo prazo esta ação é destrutiva, porque, o
que leva uma pessoa a abrir seus sentimentos é a busca de compreensão, e
ao invés de compreendê-las, acolhe-las e dar continência, nós fazemos
recomendações sobre o que elas podem ou não sentir.
Esquecemos que não é possível viver sem conflitos, e conflitos geram
sentimentos negativos, e quando tais sentimentos podem ser expressos e
aceitos, perdem o poder de destruição, porque o sentimento é algo
desorganizado, sem forma e sem nome e, portanto, uma vez que a criança
pode falar sobre isto, estas emoções organizam-se, tornando-se
nomeáveis, e a criança (adultos também) através da fala, adquire a
capacidade de pensar sobre estes sentimentos, dar um contorno àquilo que
parecia perene, consegue processar, elaborar e buscar novos sentidos,
através dos quais sofrerá menos, ou, até, perceberá que está fazendo uma
tempestade em copo d’agua ou que sofre a toa.
Os sentimentos mobilizam nosso corpo para a ação, de tal modo, que as
emoções nos transformam em pessoas quimicamente diferentes, por
conseguinte, se mandarmos a criança parar de se alterar, os ouvidos
ouvem, mas as glândulas não – Isto só aumenta a frustração e os
sentimentos negativos, na mesma medida que diminui a auto-estima.
Quando há bloqueio das emoções, este bloqueio age indiscriminadamente
com as emoções positivas e negativas e a criança se torna reprimida,
isto é fica distante e fria – sem criatividade porque perde a confiança
nas próprias emoções e idéias.
Esta maneira de lidar com as emoções de nossos filhos nos afasta
deles porque demonstra que partes deles não são aceitáveis. Além do
mais, quando a criança bloqueia os sentimentos negativos de si mesma,
torna-se alienada da plenitude de sua humanidade e de sua natureza,
perdendo o contato com o que ela realmente é, e pior do que isso é
quando a criança não nega os sentimentos, mas só os esconde então ela
conclui que é má. E lá se vai à auto-estima e o auto-respeito.
O melhor caminho para lidar com os sentimentos negativos das
crianças, é abrir-se para ouvi-las. Demonstrando genuíno interesse,
desejando de fato saber por que, por exemplo, o nosso filho diz que
odeia a escola ou o irmão. Deixando a criança se expressar através de
uma escuta ativa por nossa parte.
Contudo, a maioria das crianças não sabe expressar seus sentimentos
em palavras, neste caso, seria útil, nos colocarmos no lugar de nossos
filhos, através de um resgate da fase em que também éramos crianças, e
traduzir para eles o que estão sentindo, validando e legitimando tais
sentimentos.
Porém, para isto se tornar possível, é necessário que tenhamos uma
pré-disposição interna, e não é a todo o momento que estamos dispostos a
ouvir e emprestar nossa mente e emoções para ajudar a elaborar os
sentimentos de nossos filhos, e a pior coisa é uma empatia fingida, isto
só enfraquece a confiança.
Portanto, se não é possível escutá-lo agora, o melhor é dizer: “Sei
que você precisa conversar, mas agora não dá, eu estou muito ocupada ou
agitada, e assim que eu tiver mais calma, tentarei te ajudar. Quero
estar totalmente livre para conversar com você e te ajudar de verdade”.
Este tempo a mais será necessário e precioso para desenvolver a
pré-disposição indispensável para ouvir e auxiliar nossos filhos.
Da mesma forma, para não ativar sentimentos negativos em nossos
filhos, sempre que for dar uma ordem, seja tomar banho, fazer lição,
etc. Saiba que da mesma maneira que você, a criança também necessita de
um tempo para desenvolver o mínimo de pré-disposição para realizar suas
tarefas. Portanto avise-o: “daqui a dez minutos é hora do banho, vai
terminando o que está fazendo, ou se prepare para interromper e
continuar depois”. Assim, você evita o surgimento de sentimentos
negativos no seu filho. E não esqueça: os acordos que fazemos com as
crianças, devem ser cumpridos, não de uma forma rígida e severa, mas
flexível e compreensiva.
Por fim, pouco a pouco, a criança introjeta o funcionamento mental
dos pais, uma vez que somos o modelo para os nossos filhos. E assim, ela
aprenderá a nomear e elaborar suas próprias questões. E este
aprendizado será de grande auxílio em sua vida futura, afinal “Dar o
exemplo não é a melhor maneira de influenciar os outros. É a única” –
Albert Schweitzer.
Léa Michaan
Nenhum comentário:
Postar um comentário