Trocar experiências, brincar e estudar com quem tem outra realidade ou vem de outras origens evita que o medo do diferente se transforme em algo nocivo
Quando procurou uma escola para o filho João
Lucas, hoje com 10 anos, a maior preocupação de Adriana Dutra era a
acessibilidade do local. O garoto nasceu com câncer na coluna e o tumor
comprimiu sua medula, impedindo-o de movimentar as pernas. Para receber
um aluno cadeirante, o colégio precisava, no mínimo, ter rampas de
acesso. “Demorou até eu encontrar um acessível, o Dante Alighieri (SP),
que se mostrou disposto inclusive a fazer reformas para adequar o
espaço”, recorda.
Com isso garantido, a mãe, que também é presidente da ONG
Atitude Paradesportiva, mal teve tempo de se preocupar com a adaptação
dele ao ambiente escolar. “Logo nos primeiros dias de aula algumas mães
me disseram que os filhos delas adoravam ajudar o João, que eles eram
melhores amigos. Eu achava até engraçado, por serem melhores amigos
demais”, diz.O comportamento dos colegas tem ligação direta com o modo como o colégio prepara as crianças para lidar com as diferenças. “Abordamos a inclusão desde os primeiros anos. A melhor maneira de tratar o assunto é esclarecendo casos do dia a dia, como por que alguns precisam usar óculos e outros não conseguem ficar em pé”, explica a diretora geral pedagógica Silvana Leporace. “Quanto mais informação a criança recebe, melhor lida com as situações. E conversamos com os pais de todos para que o discurso da escola continue em casa”.
No cotidiano de João Lucas, o resultado desse trabalho é uma infância feliz ao lado da mãe e do irmão, Luiz, de 13 anos, com quem tem “uma relação normal, sem proteção por estar numa cadeira de rodas”, nas palavras de Adriana. “O que mais gosto de fazer é jogar futebol com meus amigos, tanto na escola quanto no prédio”, conta o menino, que prefere matemática às outras disciplinas e fez uma participação especial na novela “Carrossel” (SBT), no papel de Tom.
“O medo é a mãe do preconceito”
Assistindo à mesma “Carrossel” de que João Lucas participou, Ricardo, de 7 anos, reclamou com a mãe, a funcionária pública Maria Helena de Rezende, que só tinha coleguinhas brancos como ele na escola. “Ele é fã do Cirilo (interpretado pelo ator Jean Paulo Campos) e não se conformava”, diz Maria Helena, cujos amigos negros têm filhos muito novos ou muito velhos para brincar com Ricardo. “Resolvi levá-lo ao Ibirapuera aos sábados, porque famílias de todas as cores e credos frequentam a parte infantil do parque. Ele agora tem a turminha de lá. São meninos brancos, negros, mestiços, japoneses. Essa convivência é essencial para as crianças crescerem sem preconceitos”, acredita.
O pai da performática Elke Maravilha pensava
dessa maneira, mas usou métodos menos delicados para fazer a filha
entender a diversidade. A atriz russa radicada no Brasil desde os 6 anos
de idade conta que, assim que chegou ao país, viu negros pela primeira
vez e morreu de medo: “Era medo do diferente, coisa de criança. Meu pai
falou para eu parar com aquilo, que eram pessoas iguais a nós. Fomos
morar em Itabira (MG) e nossos vizinhos eram uma família negra. Fiquei
com medo, e ele foi perdendo a paciência”.
Ao externar medo de novo, Elke foi levada à casa dos
vizinhos. “Meu pai me deixou lá e falou ‘Se vira!’. Foi a melhor coisa
que poderia ter feito. Em cinco minutos eu nem lembrava de medo. Ele
quase teve que me dar umas porradinhas para eu voltar para casa”,
diverte-se. Retomando o tom sério, a atriz revela também ser, vez ou
outra, alvo de certo medo. “Tem crianças que olham para mim e se
assustam, por eu ser extravagante. Se os adultos não tomam uma atitude,
isso pode se repetir quando virem um negro, um índio. Crescem uns
monstrinhos. O medo é a mãe do preconceito, e os pais têm a
responsabilidade enorme de se antenar para impedir que os filhos
tornem-se preconceituosos”
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